O bate-bola das escolhas

Haline Barbosa
4 min readJun 3, 2021

Nunca é apenas sobre jogar tênis, mas sim sobre fazer escolhas!

Dia 3 de Junho, feriado numa quinta-feira e como de costume, acordei cedo, preparei o meu café da manhã, liguei a TV nos canais de esporte — é o que eu sempre faço quando tenho um tempo livre.

Parei na transmissão de Roland Garros, um dos Grand Slams dentre os 4 que acontecem em um ano de circuito do tênis profissional. É esse torneio mesmo que você está pensando, onde Guga foi tricampeão e se tornou o número 1 do mundo.

Pois bem, Roland Garros e um jogo de segunda rodada entre Gael Monfils e Ymer. O primeiro, atual número 15 do mundo e o segundo, número 105.

Olhei pro placar e estava começando o segundo set. No primeiro, Ymer tinha vencido por 6 x 0.

É isso mesmo: 6 games a 0 de um garoto pouco conhecido no circuito sobre o favorito absoluto, Monfils.

O Monfils é um dos tenistas que eu mais gosto de ver jogar. Eu costumo dizer que ele é o Ronaldinho Gaúcho do tênis: ousado, alegre em quadra e muito, muito habilidoso. Faz parecer muito fácil e tira cada jogada da “cartola” que é difícil acreditar.

Logo nos primeiros minutos assistindo a transmissão ouvi o comentarista dizer que o Monfils estava lesionado, sentindo fortes dores e que provavelmente abandonaria a partida.

Tá explicado, eu pensei!

Quem nunca diminuiu o mérito de alguém que atire a primeira pedra.

Diferente de outros torneios, para vencer um jogo de Grand Slam é preciso ganhar 3 sets. A partida é definida por uma melhor de 5 sets, o que significa que o caminho era longo se o Monfils quisesse continuar.

O semblante do Monfils era desanimador, entre os pontos ele estava cabisbaixo, levava as mãos onde sentia a dor e balançava negativamente a cabeça como alguém que diz: não vai dar.

Em vários momentos o comentarista de TV arriscava: agora ele vai abandonar a partida.

Mas o Monfils insistiu. A decisão não era fácil. Continuar jogando poderia até render para ele uma vitória, mas em troco do que? O risco de agravar a lesão poderia deixá-lo fora não só do restante do torneio, mas de boa parte da temporada.
Mas quem nunca ponderou entre sacrificar o futuro para obter resultado agora e ser conservador agora para ter chance lá na frente? O “lá na frente” existe mesmo? E qual o limite do agora?

Ele decidiu continuar, jogando em casa, em seu país, a torcida gritava o nome dele. A noiva no box (espécie de camarote onde fica a equipe do jogador) incentivando e… a partida seguiu.

Monfils fechou o segundo set por 6 x 2 e abriu uma vantagem significativa no terceiro set. Inacreditável!

Embora esse texto pareça falar sobre a superação do Monfils diante de tamanha dificuldade e adversidade, é a história do Ymer nessa partida que eu quero destacar.

O que é jogar em Roland Garros para um jogador “inexpressivo”?
Imagine você, vencendo por 6 x 0 um jogador infinitamente superior, mas lesionado do outro lado da quadra?
Que sabor isso tem?
Como é ver o adversário aparentemente sem força e com muita dor virar o jogo?

Como é jogar com toda a torcida contra?
Como manter a cabeça focada e agarrar a oportunidade sem se sabotar?

O que fazer: Colocar a bola em quadra e deixar o adversário jogar ou se aproveitar da lesão e fazer o adversário correr?

Quem nunca se viu pequeno diante de um gigante?

Quem nunca pensou: assim não tem graça mesmo quando é algo positivo acontecendo?

Quem nunca se viu diante de escolhas difíceis?

Quem nunca pensou no que os outros iam falar? “Foi só porque o Monfils machucou.”

E quem nunca pôs à prova os próprios limites?

Ymer foi gigante! Mentalmente forte, focado. Fez o seu “dever de casa”. Se manteve no jogo. Sem riscos. Constante. E quando parecia deixar escapar a vitória, foi firme!

No tênis, não dá para jogar com “regulamento’’. Não se tem o tempo a seu favor como acontece, por exemplo, no futebol.

De nada adianta abrir uma vantagem. É preciso vencer o último ponto.

É só assim que se vence no tênis e isso torna o esporte diferente de todos os outros.

Monfils foi até o fim. Não abandonou e embora no início do texto eu tenha comparado Ronaldinho Gaúcho com Monfils, foi o Ymer que se apoderou da famosa frase do jogador de futebol: quando tá valendo, tá valendo!

Ymer fez o último ponto e venceu o jogo por 3 sets a 1. A circunstância da partida foi exatamente o que fez a vitória ser ainda mais significativa.
Nunca é apenas sobre jogar tênis, mas sim sobre fazer escolhas!

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